Geraldo Trindade
Nunca como nos dias atuais as questões
psicológicas, os desajustes emocionais e receitas para “sarar” tais desarranjos
estiveram em alta. Não é de se espantar que livros e textos sobre
relacionamentos, afetividade, bem-estar, crescimento interior estejam na crista
da onda e rapidamente se proliferam. É sabido também que temas como
desigualdade social, questão ambiental, desigualdade, exploração são tomados
como antiquados e desnecessários. O importante passou para a esfera da
tecnologia, do desenvolvimento, da informação, dos meios de comunicação, dos
comodismos da vida moderna: carro, viagens, celulares, tablets, computadores...
Vem uma pergunta: vale qualquer tipo
de desenvolvimento? Vale crescermos e atingirmos condições de consumo enquanto
há pessoas sendo escravizadas, mortas, exploradas, desalojadas de suas casas,
afastadas de suas famílias, vivendo em condições sub-humanas? Vale o Brasil
“crescer” e se “desenvolver” a custa de sofrimento humano e da destruição
ambiental?
Não sou contra nenhum
desenvolvimento e nenhuma comodidade da vida moderna. Nem sou contra o grande
desejo do Brasil querer se transformar em um país de primeiro mundo. Sou sim
contra um desenvolvimento, onde cada um de nós não se sente satisfeito com o
que tem. Sou contra um desenvolvimento onde se ama as coisas e se utiliza as
pessoas. Sou contra um desenvolvimento que não considera o respeito à vida e à
história das pessoas e ao meio ambiente.
O Brasil, tanto para os
colonizadores quanto para os próprios brasileiros, foi e é visto como terra de
exploração: pau-brasil, ouro, cana de açúcar, café, borracha, minérios,
energia... São também muito os exemplos de projetos, planos e obras que só
visam o lucro sem considerar os malefícios sócio-ambientais. Quer-se chegar a
qualquer custo aos padrões de vida das grandes potências, mas este padrão não
será usufruído por todos, pois é levado adiante desconsiderando as minorias e
as parcelas mais sofridas e necessitadas. “O aspecto de conquista e exploração
dos recursos tornou-se predominante e invasivo, e hoje chega a ameaçar a
própria capacidade acolhedora do ambiente: o ambiente como ‘recurso’ corre o
perigo de ameaçar o ambiente como ‘casa’.” (Doutrina Social da Igreja - DSI,
461).
Exemplo disso é a obra do Belo
Monte, uma usina hidrelétrica que está sendo construída no Rio Xingu no Pará,
próximo à cidade de Altamira. A construção dessa obra é marcada por conflitos.
Tem-se levantado questões muito prática, apresentadas por movimentos sociais,
moradores da região e alguns técnicos.
Pelo fluxo próprio de água da região
amazônica a usina operará em determinadas épocas do ano com capacidade reduzida,
ou seja, ela responderá somente por 10% da produção energética do país. A obra
está orçada em mais ou menos 30 bilhões que poderiam ser investidos em outras
fontes de energia como a solar e eólica. A área inundada prevista é de 640 Km
quadrados, o que possivelmente afetará o fluxo de água, como também o
escoamento natural do rio, afetará a fauna e a flora; além de ter como área de
inundação regiões habitadas por ribeirinhos das cidades de Altamira, Ambé e
área rural de Vitória do Xingu. Isso atinge diretamente pessoas que construíram
ali a sua vida e sua história.
A alteração ecológica afetará não só
a região, mas todo o planeta; tendo em vista a função pulmonar da floresta
amazônica no equilíbrio ambiental. Além disso, há o impacto social com o
deslocamento de milhares de pessoas de todo o país para uma região que não tem
ainda infraestrutura para acolhê-los e que acarretará em problemas sociais,
como saúde e educação de baixíssima qualidade; prostituição, violência, uso de
drogas, exploração escrava; ocupação desordenada, tráfico de drogas e humano.
Dessa forma, é preciso, em pleno
século XXI, refletirmos se vale a pena a sustentação de obras de um falso
desenvolvimento que se estende e avança à revelia das mazelas humanas. Por
maiores que sejam os benefícios ele não pode e não deve existir se leva a
destruição de semelhantes, de homens, mulheres, jovens e crianças que têm suas
vidas destruídas pela ganância. Além do mais, é sempre bom como cidadãos
ficarmos atentos para percebermos que não estamos sozinhos no mundo e fazemos
parte de uma aldeia global, que precisa do nosso zelo e do nosso cuidado, a fim
de que as gerações futuras possam usufruir dos benefícios naturais e humanos.
Não podemos jamais cairmos na mentalidade laxa de que “quanto mais melhor” ou
então o “importante é desenvolver, mesmo a custa de muitos sofrimentos e
vidas”.
Fica-nos o conselho de que “a
atitude que deve caracterizar o homem perante a criação é essencialmente a da
gratidão e do reconhecimento: de fato, o mundo (a natureza, as pessoas) nos
reconduz ao mistério de Deus, que o criou e sustém. Se tornamos incidental
nossa relação com Deus, a natureza é esvaziada de seu significado profundo, e nós
a depauperamos. Se, ao contrário, chegamos a descobrir a natureza na sua
dimensão de criatura, é possível estabelecer com ela uma relação comunicativa,
colher seu significado evocativo e simbólico, penetrar assim no horizonte do
mistério, franqueado ao homem a abertura para Deus, Criador dos céus e da
terra. O mundo se oferece ao olhar do homem como pegadas de Deus, lugar em
que se desvela a Sua força criadora, providente e redentora.” (DSI, 487)
Vale a pena algumas sugestões de
sites que nos ajudam a refletir a problemática Belo Monte: Movimento Gota
d’água (http://movimentogotadagua.com.br
) e Xingu Vivo (http://www.xinguvivo.org.br
).
Olá, Geraldo.
ResponderExcluirLi seu texto no Adital e resolvi passar por aqui.
Acredito que partilhamos do mesmo medo, da mesma fobia e estarrecimento ao ver o nosso país adotando modelos de crescimento que são ultrapassados e extremamente eurocêntricos (quando não norte-americanos). A nossa potencialidade de desenvolvimento poderia ser mais ampla, mais transparente e mais limpa ao colocarmos outras prioridades no desenvolvimento (o que difere, economicamente, de crescimento).
Ou seja, não apenas colocar o ser humano a serviço do capital financeiro e industrial e, sim, o inverso: dar-mo-nos uma "antropológica" que nos faz reviver e repensar nosso modelo. O Brasil talvez seja o país mais propício aos eixos de desenvolvimento.
Deixamos o Nordeste em péssimas condições na Colônia, apenas usurpando de seus recursos; depois, com Sudeste, parece ter havido a coisa paralela. No Sul, onde eu moro, o momento histórico e o modelo diferenciaram um pouco. Enfim.
Passarei por aqui.
Um abraço,
Marcelo