sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Finados e seu significado para nós

Geraldo Trindade – bacharel em filosofia, mantém o blog: http://www.pensarparalelo.blogspot.com/

Celebramos no dia 2 de novembro o dia de Finados. O culto aos mortos é uma das celebrações mais antigas tanto no Oriente quanto no Ocidente, pois sempre houve essa necessidade de fazer memória dos antepassados. Nos primórdios do cristianismo os mártires eram venerados nos locais de seu martírio e as primeiras construções genuinamente cristãs foram monumentos em homenagem a estes heróis da fé. Os cristãos sempre recordaram seus entes queridos falecidos até que se passou a dedicar-lhes um dia para orar pelos mortos, inclusive por aqueles que nem sempre são lembrados.
            Essa celebração, de fato, é revestida de uma grande riqueza, pois além dos atos religiosos é uma oportunidade ímpar para se refletir sobre a morte e a vida, como também uma relembrança dos nossos antepassados, estabelecendo o vínculo entre o que somos e toda a carga histórica que trazemos impressos em nós.
            Nós cristãos estamos desde a origem imergidos neste mistério da Vida, Morte e Ressurreição de Jesus. Ele, como todo ser humano, experimentou a crueldade da morte e sofreu amargamente a morte de cruz, porém, a morte não foi a palavra definitiva, pois ele ressuscitou, garantindo, assim, que toda a humanidade ressuscitará definitivamente com Ele um dia. Esta certeza na Ressurreição elimina de nós qualquer concepção de renascimento ou reencarnação. São Paulo nos diz que "E, se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé; ainda estais em vossos pecados" (1Cor 15, 17).  
            A vida que aqui vivemos é um preparar-se para a verdadeira, definitiva e gloriosa vida junto a Deus. “Amados, desde já somos filhos de Deus, mas o que nós seremos ainda não se manifestou. Sabemos que por ocasião desta manifestação seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é.” (1 Jo 3,2) Trazemos a certeza da verdade revelada por meio de Jesus Cristo, que levantado da morte por Deus nos trouxe a salvação. “Deus dos vivos e dos mortos: crer em Vós é ter a esperança de encontrar na luz de sempre a paz do último Dia.” (Laudes/Ofício de defuntos)
            Neste dia de Finados não celebramos a morte, mas, exatamente, essa Vida Eterna presente e real já em Jesus Cristo. Somos, cristãos, esperançosos em nossa fé na ressurreição, na morada que Jesus preparou para nós.  Na participação da celebração eucarística, na visita aos cemitérios, na nossa oração pelos irmãos falecidos transpareceremos a certeza de que somos finitos e que a cada dia necessitamos da graça de Deus para mantermos viva, em nós, a chama da fé, da verdade, da caridade, do amor e do perdão rumos à eternidade. “A eternidade não é um contínuo suceder-se de dias do calendário, mas algo como o momento pleno de realização, cuja totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade do Ser, da verdade, do amor.” (Bento XVI)

domingo, 23 de outubro de 2011

O sonho verdadeiro da Paz

Geraldo Trindade - bacharel em filosofia, estudante de teologia e mantém o blog PENSAR PARALELO (http://www.pensarparalelo.blogspot.com/ )

Quando se fala de moral quer-se ter em vista a quem ela destina, qual a sua finalidade. Por mais que ela se esforce em seu discurso não consegue abarcar toda a complexidade do ser humano e menos ainda de todas as realidades sociais.  No caso da Moral Social não bastam as análises econômicas, sociais; mas acima de tudo a análise à luz do Evangelho, que é o próprio Cristo: ensinamentos e práxis.
“Toda ética abstrata leva-nos a uma ética concreta. Não se pode e não se deve dizer uma vez por todas o que é bom, mas só isto: como Cristo toma forma aqui hoje.”[1]
Quando se fala em paz, quer saber que tipo de paz, pois são múltiplas e divergentes as concepções de paz e diversos os caminhos e instrumentos indicados para consegui-la. Para agravar, concebe-se erroneamente a paz como ausência de guerra.
No universo da paz há uma gama de conceitos. Há a difusão da paz divorciada da exigência de justiça; como aniquilamento do inimigo baseando-se no poderio das armas. Existe a paz diplomática e política. Mas, o ideal de paz é a paz positiva, onde cresça a justiça, o respeito aos direitos das pessoas e dos povos a partir da não-violência.
            O papel do cristão deve ser o de promover essa paz. E no longo processo da história, eles sempre foram protagonistas conscientes caracterizados pela paz e não-violência.
Todas as pessoas aspiram por segurança e o estado tem o dever de zelar e criar mecanismos para que ela se concretize.
A história da humanidade é caracterizada pelo espírito conflitivo. Desde a remota antiguidade os seres humanos se esforçam constantemente para administrar pacificamente sua convivência. O conflito e a violência só são realidades possíveis pela presença da agressividade no ser humano.
A palavra violência vem do latim violentia, que tem como elemento definidor o caráter da força.[2]
R. Domergué sendo citado por Vidal para explicitar o termo violência afirma: “A violência é sempre violência de alguém ( pessoa ou grupo). Sempre se exerce contra alguém ( pessoa ou grupo). Tem um rosto preciso, o dos instrumentos ou das técnicas que utiliza. Insere-se numa situação histórica determinada. Toda dissertação da violência que se conformasse em considerá-la abstradamente, sem se deter nessa característica, peca por irrealismo e se converteria em mera manipulação de princípios gerais.”[3]
A violência está presente em um determinado contexto histórico e ela se manifesta sob diversos meios, podendo ser classificados por alguns tipos:
- estrutural:  é a violência repressiva  ou coativa exercida pelas forças do poder político.
- de resistência ou rebelião: organizada em torno do combate às situações pessoais ou estruturais que se julguem injustas e opressivas.
- bélica: utilizada partindo de uma pretensa legitimidade sócio-jurídica; manifesta-se através da guerra.
- subversiva ou terrorista: quando persegue o fim da desestabilização.
No Brasil, a violência sempre foi uma constante. A colonização foi marcada pela violência, pelo desrespeito dos colonizadores com os colonizados, em especial índios e negros. Esse passado de conflitos deixou heranças que geraram esse espírito de desconfiança e medo. As marcas estão presentes nas mortes de jovens, em grupos de extermínios, que atuam sob interesses escusos.
Tudo isso são marcas de conflitos, ou seja, quando a paz não consegue estabelecer suas raízes no coração humano.
Para aplacar esse espírito indômito de violência as leis e constituições surgiram como necessidade de determinação precisa da participação de cada ator na defesa e na administração das questões comuns. “O conflito é basicamente o confronto entre duas posições diferentes que buscam a conquista da hegemonia.”[4] Ele se torna um mal quando é encarado de forma radical, imatura, sem diálogo, assim, gera a violência. Os conflitos são originados a partir da própria interioridade da pessoa humana que se descobre limitada e ambígua, da hierarquia de valores pessoais estabelecidos pelo indivíduo e a não satisfação das necessidades pessoais e comunitárias. Em um contexto tão volátil, os conflitos são os mais diversificados. Eles são de ordem pessoal, familiar e social.
“Esses conflitos podem se transformar em ações violentas quando houver a ‘utilização intencional de força ou poder físico por ameaça ou de fato contra si mesmo, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade que resulta em ou tem alta probabilidade de resultar em ferimentos, morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação’, podendo se manifestar também em agressões sexuais.”[5]
A paz é um valor universal que deve ser cultivado nos corações humanos, pois encontra suas raízes no próprio coração de Deus. Como a paz, a moral tem como alvo todos os homens e mulheres de boa vontade. Para que essa realidade se torne realidade  existem dimensões[6] necessárias:
-  “conversão à verdade da paz” (GS, 77) como obra de justiça, ação permanente e fruto do amor.
- atitudes de paz em cada homem em cada grupo.
- estratégias de paz que levem a uma realidade plena de paz.
Desponta a atitude de tolerância, que não é meramente passividade como retirada do conflito, mas no sentido de negociação como um valor a se conquistar, um caminho em direção à solidariedade, como uma forma de administrar os conflitos em busca de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.
Gradualmente constrõe-se a paz, que exige conversão constante. O que cada vez mais é difícil é este estabelecimento de diálogo com o mundo, pois a afirmação do forte dom do shalom, da paz não é reconhecido como um processo íntimo e pessoal.
      Häring afirma que a paz é o centro de toda a cultura e de toda a vida em todas as sociedades. “No centro da ética da cultura, estará o objetivo de cultura não-violenta, sadia, orientada para a paz em todas as suas dimensões. (...) De fato, toda a ética social e econômica terá como chave o shalom: dom e tarefa.”[7] Dom, porque a paz provém não das forças humanas, mas ela é  dom de Deus, que é o verdadeiro doador dessa graça e é tarefa, enquanto após a acolhida desse dom se torna responsabilidade de cultivá-la e estabelecer relações fraternas, de paz.
O cristão age na edificação da paz tendo como critério de ação o mandamento novo: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei.” (Jo 15,12) A construção da paz será possível conforme o direcionamento dado por Jesus, “que dá à palavra amor o seu mais profundo significado: o amor transformado em ação, em gesto concreto, esvaziamento de si, entrega, reconciliação, serviço, oblação, gratuidade.”[8]
Certamente, a cruz do Ressuscitado direciona para um caminho possível para seus seguidores, que deverão se caracterizar pelo perdão aos inimigos e pelo processo constante de reconciliação. Mas, a tarefa de realizar a paz de Cristo na terra jamais pode ser considerada completa porque a paz nunca se alcança de modo estável, mas é preciso construí-la constantemente neste mundo ferido pelo pecado e pelos conflitos.





[1] Hubert LEPARGNEUR. Fontes da moral na igreja. Petropólis: Vozes, 1978, p. 14.
[2] Cf. Marciano VIDAL. Moral de atitudes. Trad. Ivo Montanhese. v.3. Aparecida: Santuário, sd, p.570 .
[3] Marciano VIDAL. Moral de atitudes, p. 571.
[4] CNBB. Texto-base da CF 2009, p . 30
[5] CNBB. Texto-base da CF 2009.  Brasília: Edições CNBB, 2009, p . 32.
[6] Cf.: Marciano VIDAL. Moral de atitudes, p. 598-599.
[7] HÄRING, Bernhard. Teologia moral para o terceiro milênio, p. 157.
[8] CNBB. Texto-base da CF 2009, p. 86.


quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Ser missionário é ser “pão” partilhado

Geraldo Trindade
            O mês de outubro é conhecido como mês missionário. Somos movidos pelo Doc. de Aparecida a assumirmos nosso compromisso de fé com Jesus e a dar testemunho dEle. Assim o fazemos, confiantes em suas palavras: “Não tenhas medo!”, “Eu estarei convosco até os confins do mundo.”
            Não nos é permitido acomodarmos em nossa fé e na vivência do batismo. “A missão do Cristo Redentor, confiada à Igreja, está ainda muito longe de seu cumprimento. Um olhar à humanidade demonstra que tal missão está ainda no começo e que temos que nos empenhar com todas as forças ao seu serviço.” (Redemptoris Missio, 79) É preciso estabelecermos o compromisso concreto e profético com a realidade e passar a ser testemunho e propagador de novas ações, palavras e atitudes, que revelem Jesus Cristo. O anúncio do Evangelho não está divorciado da nossa vida, da nossa realidade existencial, dos problemas, das alegrias...
            Nunca, como nos tempos de hoje, a messe se vislumbrou tão necessitária de operários; sobretudo homens, mulheres, jovens, crianças; ou seja, todos que anseiam por dedicarem suas vidas à vivência do Evangelho, dispostos a levar ao mundo, se não a ele todo, pelo menos onde estiverem, a salvação desvelada em Cristo.
            Somos enviados! “Como o Pai me enviou, eu também vos envio.” (Jo 20,21) A iniciativa é de Deus, vamos em Seu nome, construir o Seu projeto: “novos céus e nova terra”. É preciso que façamos conhecer Jesus, reconhecer e acolher o Espírito Santo.
            Podemos e devemos participar dessa aventura: deixar-se fascinar por Cristo, pelo Evangelho e tornar-se “pão” partilhado na vida do irmão e da irmã.