quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Missionariar e misericordiar

 Geraldo Trindade


“Missionariar” e “misericordiar” colocados como verbo indicam ação e movimento. No âmbito eclesial estas duas realidades se ligam a um mistério muito maior, pois apresenta a ação do Espírito Santo, ruah, sopro, que impulsiona e dá vida à Igreja e a direciona à vivência da fidelidade no seguimento do Seu Senhor, Jesus Cristo.
  O missionário de hoje na vida da Igreja não é mais unicamente aquele que sai de sua casa, de sua cidade e do seu país e vai a outros pregar o Evangelho. A missão é, sobretudo, “missio Dei – missão de Deus”. Se compreendemos que a missão tem sua origem em Deus, assim também o agir do cristão, do missionário tem sua origem em Deus. Por Ele é chamado (Is 6, 1-13; Jr 1, 4-10; Mt 4, 18-22), por Ele é capacitado (1 Cor 1, 27)  e nEle se encontra as verdadeiras motivações (Jo 17, 18).
 A missão tem sua origem no coração amoroso de Deus, assim Ele envia seu Filho Jesus como a Palavra definitiva do Seu amor, a fim de que se cumprisse a missão que o Pai lhe confiara, de restaurar todas as coisas (At 3, 21). Assim, o Filho se torna nosso intercessor junto ao Pai e suplica sobre a humanidade o Espírito Santo, que age na vida do cristão capacitando-o a dar testemunho, restaurando-o do homem velho e o tornando um homem novo (Ef 4, 17-32).  Essa missão se estende no mundo por meio da Igreja ( Jo 20, 21), pois ela é povo escolhido que se faz santo por meio do batismo, chamado para a missão. “Ide, fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei.”(Mt 28,19-20).
 Quando se fala em missão deve-se passar para o seu agir, “missionariar”, cumprindo o mandato de Cristo. Não basta compreender a urgência da missão, mas é preciso que se crie consciência de que é ação de cada batizado, a fim de que não reduza sua vivência de fé a uma pertença eclesial fria e monótona, mas se perceba membro que se coloca a serviço da evangelização e do testemunho do Evangelho.
“Missionariar” é sair como discípulo missionário, colocando-se a render os talentos, a criatividade, a sabedoria e a experiência para levar às outras pessoas a mensagem da ternura, da compaixão  e da misericórdia de Deus. Lembra-nos o papa Francisco: “A misericórdia encontra a sua manifestação mais alta e perfeita no Verbo encarnado. Ele revela o rosto do Pai, rico em misericórdia: ‘não somente fala dela e a explica com o uso de comparações e parábolas, mas sobretudo Ele próprio a encarna e a personifica’ (João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 2). Aceitando e seguindo Jesus por meio do Evangelho e dos Sacramentos, com a ação do Espírito Santo, podemos tornar-nos misericordiosos como o nosso Pai celestial, aprendendo a amar como Ele nos ama e fazendo da nossa vida um dom gratuito, um sinal da sua bondade (cf. Bula Misericordiae Vultus, 3). A primeira comunidade que, no meio da humanidade, vive a misericórdia de Cristo é a Igreja: sempre sente sobre si o olhar d’Ele que a escolhe com amor misericordioso e, deste amor, ela deduz o estilo do seu mandato, vive dele e dá-o a conhecer aos povos num diálogo respeitoso por cada cultura e convicção religiosa.”

 Por isso, o “missionariar” da Igreja deve ser também “misericordiar”, ou seja,  que a misericórdia seja ação e imperativo eclesial e pessoal. “Misericordiar” deve ser conjugado em toda a vida do cristão a fim de que dando misericórdia se receba misericórdia, ser agente da misericórdia antes ser alvo da misericórdia de Deus. Ir como Igreja ao encontro dos homens e mulheres do tempo de hoje com suas feridas e dores e querer saná-las com uma presença de amor humano que revelem o amor divino de Deus numa ação constante de “misericordiar” para que o rosto de Deus revelado em Jesus seja apresentado com mais realce em seu atributo: ser misericordioso.


quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Dom Luciano, memória viva nesses 10 anos de falecimento

Geraldo Trindade



Após 10 anos da partida de Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, brota espontaneamente a memória viva e cativante da sua simplicidade, do seu amor aos pobres, das suas renúncias, da sua docilidade com a fraqueza do próximo, da sua firmeza e insatisfação na injustiça. Ele que foi desde sua morte chamado de santo, agora passa pelo resgate de suas virtudes evangélicas que devem motivar a vida cristã de cada homem e mulher no dia de hoje.
Dom Luciano nasceu no Rio de Janeiro no dia 5 de outubro de 1930 foi o primeiro bispo jesuíta no Brasil. Era arcebispo de Mariana quando faleceu aos 75 anos de idade no dia 27 de agosto de 2006.  Exerceu funções de relevância nos diversos sínodos em Roma, foi secretário geral (de 1979 a 1986)  e presidente (1987 a 1994) da CNBB. Atuou na Pontifícia Comissão Justiça e Paz, do Conselho Episcopal Latino-Americano e da Comissão Episcopal para a Superação da Miséria e da Fome. Porém, nada disso encerra a sua vida e muito menos sua santidade.
A santidade é vida que brota da cotidianidade da vida, onde se tem que desapegar, se libertar e se desprender de certas coisas para possuir outras. Grandes e pequenas renúncias se entrelaçam nos santos e isso não poderia ser diferente com nosso Dom Luciano, a fim de que levasse de forma mais efetiva na sua vida um amor total, sem horas, sem reservas para com seus pobres, que são também os pobres de Deus. Seu amor a eles em circunstâncias que poucos de nós seríamos capazes de amar colocou e ainda coloca em xeque nosso amor próprio, nossos egoísmos e falsidades.
Talvez, após essa década, perguntemos se Dom Luciano buscou a santidade pela santidade. Acredito que não, pois buscou, sobretudo, servir ao outro “in nomine Iesu”, “em nome de Jesus” sem grandes pretensões a não ser levar um poço de alento e conforto aos mais sofridos e excluídos, falando do amor de Deus por meio dos seus gestos de amor, do seu sorriso manso, da sua voz firme e profética, mas carregada de imensa sutileza, da sua vida de oração, que fazia assimilar e viver que o Evangelho de Jesus, Deus conosco, é acima de tudo Boa Nova de alegria às pessoas, uma mensagem de que Deus ama estar com os pequenos e impulsiona a quem tem fé e proclamar sempre que nenhum dos filhos de Deus estão sozinhos.
“Antes de tudo, devemos ter bem presente que a santidade não é algo que nos propomos sozinhos, que nós obtemos com as nossas qualidades e capacidades. A santidade é um dom, é a dádiva que o Senhor Jesus nos oferece, quando nos toma consigo e nos reveste de Si mesmo, tornando-nos como Ele é. Na Carta aos Efésios, o apóstolo Paulo afirma que ‘Cristo amou a Igreja e se entregou por ela para a santificar’ (Ef 5, 25-26). Eis que, verdadeiramente, a santidade é o rosto mais bonito da Igreja, o aspecto mais belo: é redescobrir-se em comunhão com Deus, na plenitude da sua vida e do seu amor. Então, compreende-se que a santidade não é uma prerrogativa só de alguns: é um dom oferecido a todos, sem excluir ninguém, e por isso constitui o cunho distintivo de cada cristão” (Papa Francisco, audiência 19/11/2014).

Nosso arcebispo marianense resguarda para a posteridade essa bela face da Igreja, que a torna mais santa, mais atraente e mais pertencente a Seu Senhor Jesus. Podemos fazer memória dos casos, encontros e gestos do bispo dos pobres; o mais importante que brota disso é quando tudo isso confronta com nossa vida e prática cristã e nos sentimos envergonhados pelas nossa misérias e instantaneamente acende em nós o desejo de sermos mais de Deus, de nos deixar cativar e envolver por Ele em um entusiasmo que transborda no amor e nas renúncias pelo nosso próximo, como ele pediu no leito de morte: “Não se esqueçam dos meus pobres!”  Agora podemos dizer e repetir como ele: “Deus é bom”. E é muito bom ter essa certeza, como o é também pelo seu modelo, por sua vida que nos inspira e nos ajuda a conformar nossa vida à vida de Jesus.