sábado, 27 de abril de 2013

Violência e redução da maioridade penal, temas sociais



Geraldo Trindade
 bacharel em filosofia, cursa teologia no Seminário Arquidiocesano de Mariana

          




  Somos bombardeados pelos meios de comunicação, internet, jornais e telejornais, que, variavelmente, assusta-nos com notícias de violência e banalização da vida. Mata-se por qualquer motivo como se o aniquilamento do outro fosse a solução para todos os problemas e divergências.
            Em meio a ondas de violências e assassinatos, muitas vozes se levantam para reduzir a criminalidade e uma das soluções apresentadas é a redução da maioridade penal.           Da década de 90 para os dias de hoje, a violência foi crescendo gradativamente e se tornando um problema social. O Instituto Sagaris em 2012 elaborou um Mapa da Violência que destacou entre o ano de 1980 e 2010 um aumento de 259% de assassinatos no Brasil. No último ano da pesquisa houve quase 50 mil assassinatos. A taxa de homicídios atingiu 26,2/100 mil habitantes. Esse número, assustadoramente, supera países em guerra e em conflitos.
            As causas para o aumento da violência no Brasil, que é conhecido pela ausência de conflitos étnicos, raciais e religiosas, são várias e envolvem questões de ordem econômica, social, política, demográfica e cultural.
            A criminalidade e a violência estão associadas a pobreza e a desigualdade social. A redução do índice de pobreza não tem vindo acompanhado da redução da criminalidade, pois em comunidades carentes muitas pessoas, jovens e crianças, continuam sendo aliciadas e têm no crime uma opção de ascensão social e status. O sistema penitenciário não garante a nenhum condenado judicialmente a recuperação sócio-educativa e muitas vezes funciona como espaço de “aprendizado e aperfeiçoamento” nas organizações criminosas. Além do mais, há no imaginário popular a certeza de que a impunidade é mais eficiente do que a justiça.
            Une-se a isso a falta de planejamento urbano e o avanço avassalador das drogas; que fez com que a criminalidade migrasse dos grandes centros para as cidades do interior. O faturamento do tráfico das drogas no Rio de Janeiro e em São Paulo, segundo algumas informações, é de 700 milhões de reais/ano. O tráfico, além de alimentar o vício de milhares de pessoas, gera e mantém uma cadeia atroz de violência, incluindo o mercado de armas ilícitas. Dessa forma, o consumo de drogas deixa de ser uma opção pessoal e isolada, passa a ter reflexos sociais, trazendo fartas consequências sobre a vida de inúmeras pessoas.
            As políticas públicas falham, em muitas vezes, na prevenção, em termos de educação, moradia e emprego. Onde o estado não provê o direito do cidadão, o crime organizado e a criminalidade tomam espaço. É preciso introduzir em termos educacionais temas como cidadania, ética, educação para o trânsito, relações interpessoais, educar para uma consciência de solidariedade e valorização da vida, com a participação efetiva das famílias e da comunidade.  O  “educação para todos” tem tido grande avanços em termos de agregação e público atingido, porém também cresce e se perpetua o analfabetismo funcional, que é quando o estudante chega ao ensino médio sem os mínimos conhecimentos em aptidões básicas de leitura e interpretação. Mesmo assim, quase 3 milhões de crianças não tem acesso a um sistema de ensino regular
            É preciso, caso queira estancar o mal da violência, educar para a paz por meio de princípios morais e éticos que sejam capazes de nortear definitivamente  a vida, gerando e formando homens e mulheres imbuídos de espírito de cooperação mútua; ao contrário da competição egoísta propagandeada pela sociedade atual.
            Assim, toda evolução tecnológica e de acesso às facilidades da modernidade vem acompanhada de uma ascensão de consciência por meio de referenciais éticos na família, na sociedade, na política, nos meios de comunicação (tv, rádio, internet), nos esportes, nas escolas, nos trabalhos...
            A redução da maioridade penal que se ventila ser aprovada no legislativo brasileiro não é a solução para o problema da violência, que é somente a ponta do iceberg. Todos os problemas citados não são do desconhecimento da sociedade, mas que não exige mudanças; ao contrário, tolera e aceita. Quando acontece crimes em que estão envolvidos menores, imediatamente dá o grito e cobra, exigindo punição e castigo.
            A proposta de redução da maioridade penal vem para encobrir as fissuras existentes na eficiência do poder público na execução das políticas sociais direcionadas às crianças, adolescentes, jovens e famílias.
            Alguns mitos devem ser dissolvidos para que o projeto de redução da maioridade não se torne uma bandeira abraçada por desconhecimento. Não se pode culpar os adolescentes pelo alto índice de violência no país, pois eles são tão vítima dessa atrocidade quanto as pessoas de outras faixas etárias. O Brasil foi classificado no Mapa da Violência contra os jovens de 2011 entre os 4 países com maior índice de violência; são 44,2 casos em 100 mil jovens de 15 a 19 anos.
            Esse apelo pela redução da maioridade vem como fruto emocional das notícias sobre crimes bárbaros cometidos por jovens. Mas, não se pode generalizar esses crimes a todos os jovens e nem acreditar que somente leis mais rígidas serão capazes de reduzir ou resolver o problema da violência. Também não se pode cultivar um espírito de desconfiança em relação aos adolescentes. Não se pode anulá-los como se fossem estorvos, mesmo com seus problemas e conflitos; eles consistem em parceiros para a construção de uma sociedade melhor.
Além do mais, todo ser humano tem a facilidade de sempre encontrar culpa no outro e uma séria dificuldade de olhar para si mesmo e enxergar sua própria culpa. Generalizando e criando o imaginário de que a criminalidade é culpa de adolescentes e jovens leva ao esquecimento do egoísmo individual, da falta de solidariedade, da indiferença social em que muitos vivem, do consumismo e ostentação desenfreada. Tudo isso gera uma absurda desigualdade social e contribui para deixar os jovens desamparados e perdidos quanto ao presente, ao futuro e aos valores. Outro fator é que hoje há um grande cultivo do ódio, da vingança enquanto não se valoriza tanto aspectos da vida como o amor e o perdão.
Em suma, reduzir a idade penal não aponta e nem garante um futuro de mais respeito aos direitos do cidadão, pois negar direitos aos adolescentes e jovens de terem assistência de qualidade e eficiente do estado não gera nenhuma outro direito. Nenhuma sociedade que prima pela punição gera paz, muito pelo contrário, acaba gerando mais violência.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A capacidade iluminadora do cristianismo


Geraldo Trindade


            O que se percebe nos dias de hoje é uma proliferação do sagrado: “guerra santa”, horóscopo, simpatias, garantias certeiras de milagres, sucesso e bonança... Acompanhando tudo isso tem cartomantes, óleo santo, porta da prosperidade, seleção dos escolhidos e muitos milagres difundidos pelos meios de comunicação de massa... A superstição parece estar inscrita no código genético humano.
            O ponto é que as pessoas se encontram perdidas, existe um vazio frente o desejo natural de felicidade. Ora, no momento tenta-se preencher este vazio pela ciência, porém ela não o completa. Em meio às trevas da superstição, a Igreja Católica é que deve invocar luzes para dissipá-las.
            O anúncio da Boa Nova cristã deve, mais do que nunca, atravessar o véu do ceticismo presente no mundo. Vivemos em uma sociedade cristã, respirando ar cristão, consumindo cultura cristã; porém dolorosamente pode-se afirmar como Péguy: “Somos os primeiros, depois de Jesus, sem Jesus.” Para que isso mude é preciso que o homem hodierno experimente o “encontro com pessoas para as quais o fato de Cristo é realidade tão presente que sua vida é mudada.” (Luigi Giussiani)
            O cristianismo não é uma história, não é uma idéia, uma abstração; mas é um fato fundado em Jesus Cristo. Com Ele pode-se ver  um novo mundo erguer-se, a sociedade constituir-se. As palavras de João Paulo II são esclarecedoras: “antes de ser um conjunto de doutrinas, uma regra para a salvação, é o ‘acontecimento’ de um encontro.”
            De fato, o cristianismo não se contentou em ser mais uma religião, mas quis e conseguiu ser a vitória da inteligência sobre tudo o que existia. Essa certeza advém de Jesus Cristo, que redesperta no homem o desejo da verdade, que vence todos os medos, afirma-se como vencedor de tudo; pois onde se é fraco que se é vencedor. Tudo, porque o Deus cristão entrou na história e veio ao encontro do homem. Assim, o homem pode encontrá-Lo.
            Nada, nenhuma superstição é capaz de suplantar a verdade evangélica manifestada em Cristo. O conteúdo da experiência cristã revela que “o amor e a razão coincidem, pois são verdadeiros pilares fundamentais do real.” (J. Ratzinger)
            Em suma, não se segue a Cristo porque se entendeu tudo, mas porque não se entendeu nada a não ser a promessa salvífica provinda dEle.

domingo, 7 de abril de 2013

Vale qualquer tipo de desenvolvimento?!


Geraldo Trindade

Nunca como nos dias atuais as questões psicológicas, os desajustes emocionais e receitas para “sarar” tais desarranjos estiveram em alta. Não é de se espantar que livros e textos sobre relacionamentos, afetividade, bem-estar, crescimento interior estejam na crista da onda e rapidamente se proliferam. É sabido também que temas como desigualdade social, questão ambiental, desigualdade, exploração são tomados como antiquados e desnecessários. O importante passou para a esfera da tecnologia, do desenvolvimento, da informação, dos meios de comunicação, dos comodismos da vida moderna: carro, viagens, celulares, tablets, computadores...
            Vem uma pergunta: vale qualquer tipo de desenvolvimento? Vale crescermos e atingirmos condições de consumo enquanto há pessoas sendo escravizadas, mortas, exploradas, desalojadas de suas casas, afastadas de suas famílias, vivendo em condições sub-humanas? Vale o Brasil “crescer” e se “desenvolver” a custa de sofrimento humano e da destruição ambiental?
            Não sou contra nenhum desenvolvimento e nenhuma comodidade da vida moderna. Nem sou contra o grande desejo do Brasil querer se transformar em um país de primeiro mundo. Sou sim contra um desenvolvimento, onde cada um de nós não se sente satisfeito com o que tem. Sou contra um desenvolvimento onde se ama as coisas e se utiliza as pessoas. Sou contra um desenvolvimento que não considera o respeito à vida e à história das pessoas e ao meio ambiente.
            O Brasil, tanto para os colonizadores quanto para os próprios brasileiros, foi e é visto como terra de exploração: pau-brasil, ouro, cana de açúcar, café, borracha, minérios, energia... São também muito os exemplos de projetos, planos e obras que só visam o lucro sem considerar os malefícios sócio-ambientais. Quer-se chegar a qualquer custo aos padrões de vida das grandes potências, mas este padrão não será usufruído por todos, pois é levado adiante desconsiderando as minorias e as parcelas mais sofridas e necessitadas. “O aspecto de conquista e exploração dos recursos tornou-se predominante e invasivo, e hoje chega a ameaçar a própria capacidade acolhedora do ambiente: o ambiente como ‘recurso’ corre o perigo de ameaçar o ambiente como ‘casa’.” (Doutrina Social da Igreja - DSI, 461).
            Exemplo disso é a obra do Belo Monte, uma usina hidrelétrica que está sendo construída no Rio Xingu no Pará, próximo à cidade de Altamira. A construção dessa obra é marcada por conflitos. Tem-se levantado questões muito prática, apresentadas por movimentos sociais, moradores da região e alguns técnicos.
            Pelo fluxo próprio de água da região amazônica a usina operará em determinadas épocas do ano com capacidade reduzida, ou seja, ela responderá somente por 10% da produção energética do país. A obra está orçada em mais ou menos 30 bilhões que poderiam ser investidos em outras fontes de energia como a solar e eólica. A área inundada prevista é de 640 Km quadrados, o que possivelmente afetará o fluxo de água, como também o escoamento natural do rio, afetará a fauna e a flora; além de ter como área de inundação regiões habitadas por ribeirinhos das cidades de Altamira, Ambé e área rural de Vitória do Xingu. Isso atinge diretamente pessoas que construíram ali a sua vida e sua história.
            A alteração ecológica afetará não só a região, mas todo o planeta; tendo em vista a função pulmonar da floresta amazônica no equilíbrio ambiental. Além disso, há o impacto social com o deslocamento de milhares de pessoas de todo o país para uma região que não tem ainda infraestrutura para acolhê-los e que acarretará em problemas sociais, como saúde e educação de baixíssima qualidade; prostituição, violência, uso de drogas, exploração escrava; ocupação desordenada, tráfico de drogas e humano.
            Dessa forma, é preciso, em pleno século XXI, refletirmos se vale a pena a sustentação de obras de um falso desenvolvimento que se estende e avança à revelia das mazelas humanas. Por maiores que sejam os benefícios ele não pode e não deve existir se leva a destruição de semelhantes, de homens, mulheres, jovens e crianças que têm suas vidas destruídas pela ganância. Além do mais, é sempre bom como cidadãos ficarmos atentos para percebermos que não estamos sozinhos no mundo e fazemos parte de uma aldeia global, que precisa do nosso zelo e do nosso cuidado, a fim de que as gerações futuras possam usufruir dos benefícios naturais e humanos. Não podemos jamais cairmos na mentalidade laxa de que “quanto mais melhor” ou então o “importante é desenvolver, mesmo a custa de muitos sofrimentos e vidas”.
            Fica-nos o conselho de que “a atitude que deve caracterizar o homem perante a criação é essencialmente a da gratidão e do reconhecimento: de fato, o mundo (a natureza, as pessoas) nos reconduz ao mistério de Deus, que o criou e sustém. Se tornamos incidental nossa relação com Deus, a natureza é esvaziada de seu significado profundo, e nós a depauperamos. Se, ao contrário, chegamos a descobrir a natureza na sua dimensão de criatura, é possível estabelecer com ela uma relação comunicativa, colher seu significado evocativo e simbólico, penetrar assim no horizonte do mistério, franqueado ao homem a abertura para Deus, Criador dos céus e da terra. O mundo se oferece ao olhar do homem como pegadas de Deus, lugar em que se desvela a Sua força criadora, providente e redentora.” (DSI, 487)
            Vale a pena algumas sugestões de sites que nos ajudam a refletir a problemática Belo Monte: Movimento Gota d’água (http://movimentogotadagua.com.br ) e Xingu Vivo (http://www.xinguvivo.org.br ).