Leonardo Sérgio Rosa Carvalho
seminarista e bacharelando em filosofia na Faculdade Arquidiocesana de Mariana
“Tudo me é permitido, mas nem tudo me
convém” (1 Cor 6, 12a). Assim nos diz o Apóstolo São Paulo referente a um contexto
voltado para uma relação entre querer e poder, na qual tratava de um aspecto
moral ali apresentado pela importância da valorização do corpo entendido em seu
sentido cristão. Mas tal expressão gera em nós também outras reflexões de igual
grandeza e, sobre as quais, aqui pretendo tratar. Frente aos últimos fatos que
nos circundam e vêm ganhando grande repercussão em inúmeras discussões, vê-se
que as palavras do Apóstolo dos gentios caem como luvas.
Nos tempos atuais não se pode negar e
nem combater que cada pessoa tem o direito de livre expressão. Até eu mesmo faço
uso de tal direito com um texto como esse, já que ele representa um pensamento
próprio e não de qualquer instituição na qual possa estar inserido. Porém,
lançando mão do trecho bíblico acima citado, deve-se ter claro que até mesmo a
própria liberdade de possui aspectos que devem passar por um crivo crítico e
racional que balanceie o que quero fazer ou expressar e o que realmente me é
lícito ou conveniente expressar como ato livre, autônomo.
Para que não se diga que a base que
possuo para essa argumentação é apenas religiosa, faço uma reflexão também
antropológica e filosófica referente a este mesmo tema. Desta forma, tem-se a
compreensão de que todo homem (“homem” aqui tomado no sentido universal de
humanidade) é composto de vontades que, frequentemente, são orientadoras de
suas decisões. Mas o homem não é somente isso! Ele não é apenas um ser de vontades,
pois, assim também se movem os animais. O homem é também razão e, portanto,
posso dizer que um homem livre é aquele que não utiliza somente o seu lado
puramente sensível e subordinado às vontades. Mas que, ao contrário, faça uso,
em especial, da dimensão que o torna mais humano, ou seja, a sua racionalidade,
sem que com isso caia no erro de apenas vê-la como uma imposição heterônoma
sobre a vontade que faz de seus atos, de modo arbitrário, uma pura obrigação. O
homem deve encontrar entre a vontade e a razão um terceiro termo que é,
justamente, a liberdade, segundo a qual a sua vontade se orienta pela razão de
uma forma “livre”, isto é, de forma autônoma (KANT, Fundamentação da Metafísica dos costumes, IV, 448).
Mas, por que tal explicação dentro da
discussão que, a princípio, aqui me propus fazer? Pois bem, se o tema aqui
tratado é a liberdade de expressão, deve-se compreender, com clareza, ao que se
refere tal termo. Tendo em vista que o destaque é dado ao problema da
liberdade, devemos então compreendê-lo bem para que se tenha clareza diante do
que realmente se pode expressar e com que legitimidade. Assim, se compreendesse
a liberdade de expressão como se fosse o mesmo que dizer “faço aquilo que bem
entender”, ou seja, agir sem deliberação, somente orientado pela vontade,
agiria como um “animal” e não como um ser humano, capaz de raciocinar sobre meu
querer e minhas decisões e tendo claras as repercussões que elas podem trazer,
seja em nível pessoal ou mesmo no social.
Infelizmente, há aqueles que não
compreendem isso e, “fazendo aquilo que querem”, acabam por utilizar de forma
errada seu direito de livre expressão, inclusive ferindo pessoas com o desrespeito
às instituições, aos valores e símbolos de grande importância afetiva e
religiosa, chegando ao extremo da falta de deliberação radical ao denegrir sua
própria imagem e ferir sua dignidade para defender um discurso de que se é
livre.
Recentemente, pode-se acompanhar
semelhante ocorrido quando houve diversos assassinatos em um atentado ao prédio
de um jornal satírico francês que havia feito uma charge caricaturando o
profeta Maomé. Nada justifica o ato de terrorismo praticado pelo grupo radical,
porém, a questão que fica é relacionada a até que ponto o uso da liberdade de
expressão foi bem utilizado por estes cartunistas, tendo em vista que já não
era a primeira vez que satirizavam uma figura religiosa, inclusive, muitas
vezes o fizeram relativamente à figura de Jesus Cristo e da Santíssima
Trindade, ou seja, ao Deus cristão.
Nas palavras do próprio Papa Francisco, “as liberdades de expressão e
religiosa são direitos fundamentais, mas ninguém pode insultar, ofender a fé
dos outros”[1]. Da
mesma forma, deve-se encarar qualquer outra ofensa grave fruto de um mau uso da
liberdade. Portanto, mesmo que envolvidos por um discurso que tende a
justificar um ato que fere a outras pessoas, esse é sempre um discurso
irracional que não se identifica em nada no o conceito de liberdade.
Mas,
se um fato como esse acontece, principalmente como ofensa a nós cristãos, não
se deve agir de forma a manifestar ódio ou uma repulsa geral a nenhuma pessoa
em particular. Entretanto, devemos, sim, exigir respeito, mas não da mesma
forma daqueles que também o pedem, mas não o praticam. Portanto, nós cristãos
devemos agir de forma a verdadeiramente
nos colocarmos como o Cristo, crucificado, inclusive, e diante das ofensas,
manifestar a nossa caridade que, como diz um sábio amigo, é a verdadeira
resposta cristã que podemos dar.
[1]
Entrevista dada durante viajem às Filipinas em janeiro de 2015, logo após o
acontecimento do atentado à sede do jornal francês.
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