domingo, 14 de junho de 2015

O QUE REALMENTE É A “LIBERDADE DE EXPRESSÃO”?

Leonardo Sérgio Rosa Carvalho 
 seminarista e bacharelando em filosofia na Faculdade Arquidiocesana de Mariana


“Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém” (1 Cor 6, 12a). Assim nos diz o Apóstolo São Paulo referente a um contexto voltado para uma relação entre querer e poder, na qual tratava de um aspecto moral ali apresentado pela importância da valorização do corpo entendido em seu sentido cristão. Mas tal expressão gera em nós também outras reflexões de igual grandeza e, sobre as quais, aqui pretendo tratar. Frente aos últimos fatos que nos circundam e vêm ganhando grande repercussão em inúmeras discussões, vê-se que as palavras do Apóstolo dos gentios caem como luvas.

Nos tempos atuais não se pode negar e nem combater que cada pessoa tem o direito de livre expressão. Até eu mesmo faço uso de tal direito com um texto como esse, já que ele representa um pensamento próprio e não de qualquer instituição na qual possa estar inserido. Porém, lançando mão do trecho bíblico acima citado, deve-se ter claro que até mesmo a própria liberdade de possui aspectos que devem passar por um crivo crítico e racional que balanceie o que quero fazer ou expressar e o que realmente me é lícito ou conveniente expressar como ato livre, autônomo.

Para que não se diga que a base que possuo para essa argumentação é apenas religiosa, faço uma reflexão também antropológica e filosófica referente a este mesmo tema. Desta forma, tem-se a compreensão de que todo homem (“homem” aqui tomado no sentido universal de humanidade) é composto de vontades que, frequentemente, são orientadoras de suas decisões. Mas o homem não é somente isso! Ele não é apenas um ser de vontades, pois, assim também se movem os animais. O homem é também razão e, portanto, posso dizer que um homem livre é aquele que não utiliza somente o seu lado puramente sensível e subordinado às vontades. Mas que, ao contrário, faça uso, em especial, da dimensão que o torna mais humano, ou seja, a sua racionalidade, sem que com isso caia no erro de apenas vê-la como uma imposição heterônoma sobre a vontade que faz de seus atos, de modo arbitrário, uma pura obrigação. O homem deve encontrar entre a vontade e a razão um terceiro termo que é, justamente, a liberdade, segundo a qual a sua vontade se orienta pela razão de uma forma “livre”, isto é, de forma autônoma (KANT, Fundamentação da Metafísica dos costumes, IV, 448).

Mas, por que tal explicação dentro da discussão que, a princípio, aqui me propus fazer? Pois bem, se o tema aqui tratado é a liberdade de expressão, deve-se compreender, com clareza, ao que se refere tal termo. Tendo em vista que o destaque é dado ao problema da liberdade, devemos então compreendê-lo bem para que se tenha clareza diante do que realmente se pode expressar e com que legitimidade. Assim, se compreendesse a liberdade de expressão como se fosse o mesmo que dizer “faço aquilo que bem entender”, ou seja, agir sem deliberação, somente orientado pela vontade, agiria como um “animal” e não como um ser humano, capaz de raciocinar sobre meu querer e minhas decisões e tendo claras as repercussões que elas podem trazer, seja em nível pessoal ou mesmo no social.

Infelizmente, há aqueles que não compreendem isso e, “fazendo aquilo que querem”, acabam por utilizar de forma errada seu direito de livre expressão, inclusive ferindo pessoas com o desrespeito às instituições, aos valores e símbolos de grande importância afetiva e religiosa, chegando ao extremo da falta de deliberação radical ao denegrir sua própria imagem e ferir sua dignidade para defender um discurso de que se é livre.

Recentemente, pode-se acompanhar semelhante ocorrido quando houve diversos assassinatos em um atentado ao prédio de um jornal satírico francês que havia feito uma charge caricaturando o profeta Maomé. Nada justifica o ato de terrorismo praticado pelo grupo radical, porém, a questão que fica é relacionada a até que ponto o uso da liberdade de expressão foi bem utilizado por estes cartunistas, tendo em vista que já não era a primeira vez que satirizavam uma figura religiosa, inclusive, muitas vezes o fizeram relativamente à figura de Jesus Cristo e da Santíssima Trindade, ou seja, ao Deus cristão.

Nas palavras do próprio Papa Francisco, “as liberdades de expressão e religiosa são direitos fundamentais, mas ninguém pode insultar, ofender a fé dos outros”[1]. Da mesma forma, deve-se encarar qualquer outra ofensa grave fruto de um mau uso da liberdade. Portanto, mesmo que envolvidos por um discurso que tende a justificar um ato que fere a outras pessoas, esse é sempre um discurso irracional que não se identifica em nada no o conceito de liberdade.

Mas, se um fato como esse acontece, principalmente como ofensa a nós cristãos, não se deve agir de forma a manifestar ódio ou uma repulsa geral a nenhuma pessoa em particular. Entretanto, devemos, sim, exigir respeito, mas não da mesma forma daqueles que também o pedem, mas não o praticam. Portanto, nós cristãos devemos agir de forma a verdadeiramente nos colocarmos como o Cristo, crucificado, inclusive, e diante das ofensas, manifestar a nossa caridade que, como diz um sábio amigo, é a verdadeira resposta cristã que podemos dar.




[1] Entrevista dada durante viajem às Filipinas em janeiro de 2015, logo após o acontecimento do atentado à sede do jornal francês.

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